Monday, March 18, 2013

E-fatura: A Gamification do Fisco

O site disponível a partir do portal das finanças onde é possível consultar as faturas que um contribuinte tem emitidas pelos bens ou serviços que adquire - o e-fatura - contém alguns pormenores interessantes do ponto de vista da aplicação do conceito que tem vindo a ser discutido aqui: gamification.

A gamification, pode ser definida como a aplicação de elementos de design de jogos em contextos não lúdicos, criando um envolvimento semelhante ao dos jogos e de forma a promover comportamentos desejados (ver outras definições alternativas aqui). Entre os elementos de jogos que podem ser considerados estão coisas como pontos, tabelas de liderança (leaderboards) ou insígnias (badges) para citar os mais comuns.

O que é que uma coisa como a verificação e o registo de faturas pode ter a ver com isto? Primeiro, a ideia que está por trás da gamification é conseguir que coisas aborrecidas e pouco motivantes se possam tornar mais atrativas ao serem combinadas com elementos de jogos. E de facto, registar e verificar faturas não será, para a maior parte dos contribuintes, uma tarefa muito interessante ou agradável. Há uma recompensa explícita, a dedução à coleta do IRS de 5% do IVA de cada fatura (até ao máximo de 250€). Mas esse benefício não é suficientemente significativo para que todos os contribuintes passem a exigir o seu número de contribuinte nas faturas dos bens e serviços que adquirem. No entanto, se todos o fizerem, a vantagem para o estado é óbvia.

O contexto não lúdico é o mundo real onde temos de adquirir bens e serviços a comerciantes que devem pagar impostos. O comportamento desejado (pelo estado) é que cada contribuinte peça a colocação do seu número de contribuinte (NIF) nas faturas de forma a que todas as transações sejam registadas e o estado arrecade mais receitas. Será possível tornar isto parecido com um jogo?

Não sabendo se terá sido intencional ou não, a verdade é que o site do e-fatura inclui alguns elementos de jogos. Cada contribuinte pode ver o benefício já obtido repartido pelos setores de atividade que estão previstos na dedução através de ícones alusivos a cada setor. Mais interessante é a apresentação do ponto de situação global em cada momento: o total de faturas inseridas no sistema e o número das que têm NIF acrescidos da indicação do benefício potencial (se todas tivessem NIF) e do benefício efetivamente concedido (só para as que têm NIF do consumidor).


A apresentação é complementada com barras de progresso (outro elemento de jogos muito frequente) que indicam as percentagens para cada um dos casos: faturas com número de contribuinte e benefício concedido. Das faturas com número de contribuinte é ainda apresentada a repartição pelos setores de atividade abrangido, num formato semelhante aos que cada contribuinte pode consultar para as suas faturas:


Esta visão global é interessante porque permite que cada contribuinte, para além de ver a sua situação particular, poder ver a situação a nível nacional. É especialmente interessante ver que, há data, apenas se aproveitaram uns escassos 13% do benefício potencial. Isto pode ser um incentivo a que os contribuintes estejam mais atentos mas também pode funcionar ao contrário, fazer com que se desmotivem perante os resultados.

Em termos de aplicação de elementos de jogos, é pouco, mas revela que a gamification é uma tendência que não deixa indiferente a mais sisuda da nossa burocracia.

O que é poderia estar melhor?

Em primeiro lugar, obter um benefício em termos fiscais (que representa dinheiro no bolso) é um motivador extrínseco. Para o caso em questão, uma tarefa aborrecida e sem nenhum encanto especial, o mais indicado é de facto apelar à motivação extrínseca. E uma recompensa monetária é um forte motivador extrínseco. Mas seria possível fazer algo mais. Seria muito radical criar tabelas de liderança dos contribuintes mais participativos? Atribuir benefícios adicionais àqueles que fossem mais ativos no sistema? Criar algum espírito de competição poderia incentivar à participação. Com a informação que o estado já possui sobre cada um de nós, seria possível segmentar esses dados por distrito, concelho ou freguesia, do ponto de vista geográfico ou segmentar por áreas de atividade dos contribuintes (fácil, no caso dos trabalhadores independentes).  Teria o inconveniente de mostrar o que o estado sabe sobre todos nós ...

E também por que não adicionar a atribuição de insígnias? Em vez de apresentar para cada contribuinte apenas a percentagem de benefício por setor, atribuir uma insígnia ou um troféu quando se atingisse determinada percentagem ou determinado valor. Algo tipo "contribuinte gourmet" para quem tivesse maior percentagem na restauração, por exemplo. Poderia não implicar mais nada a não ser tornar o processo mais divertido, sobretudo se a atribuição das insígnias fosse inesperada. Premiar também o contribuinte pelo número de visitas ao site, premiar no caso de registar ele próprio as faturas (no caso do comerciante não o ter feito) seriam outras possibilidades. Estes pormenores teriam o efeito de fazer com que as pessoas visitassem o site mais regularmente com a consequência de estarem mais atentas à sua situação.

Outro aspeto a ter em conta seria a partilha em redes sociais. As insígnias e conquistas poderiam ser partilhadas e haver incentivos a trazer amigos para o processo de registo e consulta. Será que teria implicações em termos de privacidade e de acesso a dados fiscais pessoais? Levaria a que os contribuintes ficassem desconfiados perante esta nova relação com a máquina fiscal? Seriam questões a considerar mas a sua aplicação teria certamente efeitos positivos.

Para apelar a uma motivação mais intrínseca, se o próprio estado reservasse uma parte da receita conseguida por este processo para apoio social, financiando instituições desta área, poderia ser também muito interessante. Apelaria ao altruísmo de cada um e seria um fator adicional de participação. Barras de progresso indicando a percentagem de concretização de uma iniciativa social poderiam incentivar os contribuintes a participar mais vendo que estavam a intervir em algo para além do simples benefício pessoal.

Será que resultaria mais? Com apenas 7% de faturas com NIF do consumidor, a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria pensar em formas de aumentar a participação dos contribuintes.

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