Uma tradução e adaptação do post publicado em Gamifeye em novembro de 2012. O post discute a forma como a gamification deve ser usada para ser um motor de mudança do comportamento humano, promovendo comportamentos desejados e inibindo comportamentos desejados. Para tal, é necessário atuar na motivação intrínseca e não apenas na motivação extrínseca.
Entre
as muitas definições de gamification, uma das mais citadas é aquela que é
proposta por Sebastian Deterding: "O uso de elementos de design
característicos dos jogos em contextos não lúdicos". Quando os elementos
de design de jogos são adicionados a um qualquer contexto não lúdico, a
expectativa é que se gere, entre os envolvidos nesse contexto, um nível de
envolvimento semelhante ao que é conseguido com os jogos.
Mas as coisas não podem ficar por aqui. Qual é o objetivo de alcançar este tipo
de envolvimento? Deixando de lado a discussão sobre o que é um ambiente
semelhante aos ambientes encontrados nos jogos e por que é que isso é
considerado positivo, o que um projetista de um sistema que aplique gamification
realmente quer é promover certos comportamentos desejados – ou reduzir aqueles
que são indesejados - entre os jogadores que são o público-alvo desse sistema.
Esta
ideia pode ser expressa como uma fórmula:
Elementos de design de jogos + Contextos não lúdicos = Nível de envolvimento
idêntico ao dos
jogos
Desta forma, certos comportamentos desejados podem ser estimulados.
Ver o conceito de gamification como o que está expresso na primeira parte desta
fórmula (o lado esquerdo da igualdade) é redutor. Na verdade, a criação de um
ambiente de jogo bem sucedido não pode estar limitada a premiar os jogadores
com pontos e troféus e atribuir insígnias.
O poder do conceito de gamification está de facto na sua capacidade de
influenciar o comportamento. A grande preocupação dos projetistas de sistemas que
apliquem o conceito deve ser a definição de comportamentos-alvo, de metas para esses
comportamentos e de formas de medição e de análise das mudanças verificadas nesses
comportamentos-alvo.
A maioria das aplicações que usam gamification, assenta no fornecimento de
alguma forma de recompensa pelas atividades realizadas pelo jogador. Estes
sistemas utilizam as mecânicas de jogos mais comuns, tais como insígnias,
níveis, quadros de liderança, metas e pontos. Isto é o que Scott Nicholson
chama “BLAP gamification” (Badges,
Leaderboards, Achievements and Points), na mesma linha do que Kevin Werbach designa por “tríade PBL”
(Points, Badges and Leaderboards). Outros ainda chamam a esta
visão restritiva "pointsification", devido à tendência de supor que a
simples inclusão de um sistema de pontos equivale a criar uma experiência
envolvente para o utilizador, semelhante à de um jogo.
Esses tipos de elementos adicionados a contextos não lúdicos certamente que vão
no sentido de criar um ambiente semelhante ao ambiente dos jogos. Contribuem também
para impulsionar a mudança de comportamento entre os jogadores. Tais mecanismos
são importantes para fornecer feedback,
reforçando os comportamentos desejados e desencorajando aqueles que são
indesejados. Mas estes elementos apenas atuam sobre a motivação extrínseca do
utilizador. Este é apenas motivado para completar uma tarefa porque lhe é dada
uma recompensa por isso. E se a recompensa é retirada, perde-se a motivação. De
facto, as recompensas funcionam apenas como um fator de motivação para tarefas desagradáveis ou aborrecidas. Pior
ainda, se uma recompensa é dada por completar uma tarefa que a pessoa já gosta
de fazer, a sua vontade para concluir a tarefa diminui. Alfie Kohn apresentou
vários exemplos interessantes de como os incentivos extrínsecos podem realmente
reduzir a motivação.
No entanto, isto não significa que os designers de sistemas de gamification não devem usar elementos
como os que integram a “tríade PBL” ou a “BLAP
Gamification”. As recompensas extrínsecas devem ser usadas para tarefas e
atividades para as quais os destinatários não estão intrinsecamente motivadas
para realizar. Mas, como uma estratégia de longo prazo para melhorar o
desempenho e influenciar comportamentos de influência, não são a melhor
escolha.
Portanto, o conceito tem de abranger mais do que os elementos BLAP ou PBL. Um
bom sistema de aplicação de gamification deve também atuar sobre a motivação
intrínseca dos utilizadores. Se um utilizador executa uma tarefa pela própria
tarefa, isso significa que está intrinsecamente motivado para realizar essa
tarefa. E isto é o que acontece quando as pessoas jogam. A gamification, ao
procurar criar um nível de envolvimento numa atividade não lúdica semelhante à
dos jogos, deve criar uma experiência com significado e que não dependa apenas
de recompensas extrínsecas. Scott Nicholson chama a essa abordagem "meaningful
gamification" (gamification com
significado).
Esta visão mais profunda do conceito é inspirada por várias teorias e trabalhos
de de investigação: a Teoria da Auto-determinação e a noção de
"Autonomia, Mestria e Sentido" de Daniel Pink, para citar apenas duas.
Também vale a pena mencionar modelo de comportamento de Fogg, que
proporciona uma visão sobre o que impulsiona o comportamento humano. No âmbito
de aplicações concretas do conceito, Gabe Zichermann propôs uma estrutura
de recompensas que lida com a forma como os jogadores valorizam essas
recompensas que designa por "SAPS" (Status, Access, Power and Stuff).
Em resumo, para criar sistemas eficazes de aplicação de gamification, os projetistas desses sistemas não devem apenas
pensar em mudar o comportamento atuando na motivação extrínseca. É também
necessário criar uma experiência com significado para os utilizadores, criar
afinidades entre eles, melhorar o seu status
na comunidade e dar às suas ações um propósito.
E, finalmente, os projetistas nunca devem esquecer que toda experiência deve ser
divertida!
(para referências, consultar a publicação em Gamifeye)